Opinião Atual
Vamos conversar?
Como é que se pode dizer que precisamos de conversar? É uma conversa séria. Por isso não sabemos muito bem por onde começar. Como. Com quem. Mas é urgente conversar. Porque é urgente desconstruir. Desfazer o nó. Em tempos de pandemia demos mais um passo atrás. Recuámos aos nossos refúgios. E subterfúgios. Escondemo-nos e isolámo-nos mais um pouco. No entanto, todos sabemos que somos seres sociais. Somos o espelho do outro e encontramo-nos no seu reflexo. Somos massa e fermento da nossa família. Da nossa comunidade. Da sociedade de que fazemos parte, doméstica, como se diz agora, mas também global.
No turbilhão do tempo, na voracidade dos mercados, somos peças de uma grande máquina. Recursos. Recursos humanos. Humanizados? Ganhámos projeção individual. Mas somos levados a pensar que o nosso contributo social de pouco importa. E, afinal, percebemos agora melhor do que nunca que, o que cada um fizer, reflete-se num todo que a todos diz respeito. Corremos atrás do que não temos mas esquecemo-nos de cuidar do que está ao nosso alcance. As pessoas. A nossa integridade. Enquanto parte de um todo de que somos semente, raiz e fruto. Mais do que respostas, que muitas vezes não temos, é importante questionar: o que é mais importante?
Ascendemos ao promissor estatuto social de “muito modernos”. Ao tão desejado desenvolvimento. Formatámos procedimentos, serviços, seres humanos. Normalizámos. De tal modo, que para tudo precisamos de uma espécie de manual. É preciso que nos digam o que devemos e o que não devemos fazer. Repousamos na alienação de “comprar” tudo à medida. Damos a fazer. E estamos a deixar de ser.
Enquanto isso, banalizámos o que se designa como “politicamente correto”, que é precisamente o seu contrário. Entretanto, o mundo pula a avança… Mas, em relação à bola colorida, já não é bem assim. Estamos a ficar intolerantes. Egocêntricos. Frutos do medo. Pensamos o outro cada vez mais como um intruso em vez de um parceiro.
Na voracidade de poder ser tudo e tudo querer, queremos todas as coisas e o seu contrário. Julgamos tudo saber. Porque tudo nos diz respeito. Sim, tudo nos diz respeito. Mas é preciso respeito por tudo o que nos diz respeito. E o que nos diz respeito? O outro e a sua dignidade. Nós e a nossa integridade. Um sistema onde todos caibamos que seja construído em liberdade e compromisso por todos e por cada um de nós.
Estamos num ponto de viragem sobre o qual nos devemos interrogar. Dizer presente e perguntar sempre: o que é mais importante?
Se o atual modelo civilizacional já vinha mostrando sinais de ruptura, a pandemia da Covid-19 abanou-nos mais um pouco. Abanou as estruturas em que assentam as nossas verdades. Fez estremecer as instituições sociais tal como as conhecemos. A economia. O consumismo. A massificação. Revelou duas faces antagónicas da globalização. A sua imensa fragilidade, mas também a virtude de nos unir em torno de um problema comum.
Mais do que nunca, é tempo de questionar. Reflectir. É tempo de conversar. Colocar em comum. Discutir e partilhar ideias. Somos a semente do que vier a germinar. É por isso importante não nos demitirmos dessa nobre tarefa de dar vida aos sonhos em que acreditamos.
foto: Francisco Santos