A ORGANIZAÇÃO DAS CLASSES DA SOCIEDADE RURAL DO DISTRITO DE BEJA NOS PÓS 25 DE ABRIL DE 1974
A ALA (ASSOCIAÇÃO LIVRE DOS AGRICULTORES) (1)
Em simultâneo com a implantação dos principais partidos políticos no Baixo Alentejo e das manifestações de júbilo pela queda da ditadura, as diversas classes da sociedade rural do distrito de Beja começam a dar os primeiros passos no sentido da sua organização com o objetivo de melhor defenderem os seus interesses no novo quadro político emergente do 25 de abril de 1974.
Os primeiros a movimentar-se são os grandes proprietários agrícolas, o que não é de estranhar, uma vez que já se encontravam organizados nas estruturas corporativas ligadas à agricultura, casos, por exemplo, das cooperativas agrícolas e grémios da lavoura. Liderada pelo seu elemento capitalista, a aristocracia agrária do distrito de Beja, aproveitando logisticamente os grémios da lavoura, trata rapidamente de se organizar à margem das estruturas corporativas de forma a integra-se dentro da nova ordem criada no país pelo golpe militar e aí se constituir em grupo de pressão junto do poder político militar saído do 25 de abril.
Assim, por todo o mês de maio realizam-se nos diferentes concelhos do distrito de Beja, nas sedes dos respetivos grémios da lavoura, reuniões de agricultores com o objetivo, para além da discussão dos problemas que afetam a lavoura, de eleger comissões concelhias que tratem da defesa dos seus interesses.
É este processo organizativo dos grandes proprietários agrícolas que conduz à constituição da ALA (Associação Livre de Agricultores), cujo ponto de partida são os concelhos, num movimento ascendente da base para o topo, o qual, no distrito de Beja, culmina na eleição da Comissão Provisória Distrital desta associação em reunião realizada, a 21 de maio de 1974, no grémio da lavoura de Beja. Para além da eleição da Comissão Provisória Distrital da associação, constituída por Raul Miguel Rosado Fernandes, José Rodrigues Palma Júnior e Henrique de Mira Coroa, é aprovado na reunião o “Programa para uma reestruturação agrícola”, com o qual os grandes empresários agrícolas capitalistas pretendem mostrar ao 1.º Governo Provisório, empossado a 16 de maio de 1974, que tipo de política agrícola e agrária estão dispostos a aceitar. E o que estão dispostos em aceitar é, em resumo, uma política capitalista agrícola capaz de conduzir à modernização da agricultura e ao aumento da produtividade, mesmo que tal signifique alterações a nível da estrutura fundiária.
O “Programa para uma reestruturação agrícola” ao defender “a função social da terra” e, portanto, medidas destinadas “a impedir que haja terras mal exploradas”, bem como “novas leis de arrendamento favorecendo quem explore a terra”, coloca os interesses do elemento capitalista dos campos acima dos grandes proprietários absentistas e rentistas, o que historicamente poe em causa um dos elementos centrais na ideologia dominante no seio da aristocracia agrária do Alentejo: a oposição total a qualquer alteração na estrutura fundiária.
De facto, a ALA não coloca objeções a uma reforma agrária desde que esta incida unicamente nas terras abandonadas pelos empresários capitalistas, por não ser rentável a sua exploração em moldes capitalistas e nas terras incultas dos latifundiários absentistas, a que são candidatos como rendeiros no quadro duma nova lei de arrendamento rural favorecendo quem explore a terra.
(1) – Parte significativa deste texto integra a obra: PIÇARRA, Constantino (2008), As Ocupações de Terras no Distrito de Beja, 1974-1975, Coimbra, Edições Almedina, pp. 52 e 53.