AS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES DE TERRAS NO DISTRITO DE BEJA (IV)

AS OCUPAÇÕES DE JULHO, AGOSTO E SETEMBRO DE 1975

Como se referiu no texto da passada quarta-feira, a primeira fase de ocupações no distrito de Beja foi de reduzida dimensão uma vez que o total das ocupações se cifrou em 8 583 hectares de terra, 2,7% da área total da terra ocupada no Baixo Alentejo em 1975.

A 4 de julho de 1975 realizou-se o Conselho de Ministros onde são aprovadas as leis da Reforma Agrária, nomeadamente o DL n.º 406-A/75 que no seu articulado diz que estão sujeitos a expropriação os prédios rústicos que:

“a) Pertençam a pessoas singulares, sociedades ou pessoas colectivas de direito privado, ainda que de utilidade pública que sejam proprietários, no território nacional, de prédios rústicos que, no seu conjunto (…) se verifique corresponderem a mais de 50 000 pontos ou, independentemente desse requisito, ultrapassem a área de 700 há;

b) Pertençam a pessoas singulares, sociedades ou pessoas colectivas de direito privado, ainda que de utilidade pública, que tenham incorrido em qualquer das situações previstas, como fundamento de intervenção, no DL n.º 660/74 de 25 de Novembro, e legislação complementar;

c) Estejam incultas ou não alcancem os níveis mínimos de aproveitamento estabelecidos e a estabelecer por portaria do Ministério da Agricultura e Pescas”

Perante a aprovação das leis da reforma agrária, mas não a sua promulgação, os responsáveis pelas explorações agrícolas alvo de expropriação iniciam ou aprofundam um processo de descapitalização dessas explorações uma vez que sabem que vão ser expropriadas nos termos da lei aprovada.

Neste contexto os trabalhadores, sob a liderança do sindicato agrícola, avançam para as ocupações numa espécie de aplicação da lei por antecipação, com um objetivo duplo: obrigar com a sua ação à publicação das leis e garantir a não descapitalização das explorações alvo de expropriação, onde muitos deles tinham salários por receber. Assim, de 4 a 20 de julho são ocupados 7 056 ha, repartidos por cinco concelhos (Alvito, Beja, Castro Verde, Ferreira do Alentejo e Vidigueira), número que no final do mês sobe para 22 200 ha, distribuídos por 11 dos 14 concelhos do distrito. Só de 21 de julho a 11 de agosto, data em que as leis da reforma agrária surgem publicadas em Diário do Governo, são ocupados pelos trabalhadores cerca de 31 000 ha de terra.

Enquanto o movimento de ocupações se vai desenvolvendo, o sindicato agrícola do distrito de Beja, na última quinzena de julho, através da organização de várias manifestações de rua, tenta pressionar a evolução da situação política do país, tomando abertamente partido pela fação gonçalvista no seio do MFA, uma das componentes político-militar do campo da revolução socialista, sendo a outra a ligada ao COPCON e a Otelo Saraiva de Carvalho. São exemplos do que se afirma as manifestações de 14 e 18 de julho de 19775. A primeira, realizada em Beja, tinha por objetivo mostrar o apoio dos assalariados rurais ao “Documento Guia Povo / MFA”, aprovado na Assembleia do MFA, de 8 de julho, e a segunda, traduzida em concentrações de trabalhadores por concelho, visando o isolamento político e social do Partido Socialista que a 10 de julho tinha saído do Governo, seguido uma semana depois pelo PPD.

É interessante notar que o período mais intenso de ocupações nesta segunda fase ocorra entre finais de julho e 11 de Agosto, altura em que se trava uma luta entre a fação gonçalvista e o “Grupo do Nove”, aliado do PS, com a vitória momentânea da primeira, de que resulta a formação do V Governo Provisório que toma posse a 8 de agosto de 1975. 

Com 76 115 ha de terra ocupada, em 30 de setembro de 1975, no distrito de Beja, os trabalhadores agrícolas confrontam-se com diversos problemas, sendo os mais importantes a falta de dinheiro para pagar salários e a falta de apoio técnico na gestão das herdades coletivas, entretanto constituídas. Problemas estes que surgem bem vincados no I Encontro Unitário dos Trabalhadores das Herdades Colectivas e das Cooperativas Agrícolas do Distrito de Beja, promovido pelo PCP e realizado nesta cidade a 3 de agosto, secundado por moção aprovada no I Encontro de Operários Agrícolas e Metalúrgicos do Distrito de Beja, de 7 de setembro de 1975, endereçada ao Conselho da Revolução.

O texto segue de perto Constantino Piçarra, As Ocupações de Terras no Distrito de Beja, 1974-1975, Almedina, Coimbra, 2008.

Continua

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