E Beja? E o Baixo Alentejo?
Quem me dera que, mesmo pagando, houvesse uma SCUT que levasse a Beja.
O mês de Maio de 2024 trouxe o fim das portagens nas SCUT em Portugal. Paralelamente acendeu-se grande polémica nacional sobre as estratégias de entendimento entre PS e Chega, que se alastrou às televisões, jornais e redes sociais. No entanto, nos confins do País cor-de-rosa e dos superavites de Costa, há uma região inteira para a qual o tema é olhado como se se tratasse de mais uma manifestação em Paris, uma reunião de chefes de Estado do Mercosul na Nicarágua, ou uma greve dos funcionários de transporte em Melbourne. O Baixo Alentejo está tão longe das SCUT quanto de qualquer um destes acontecimentos. É como se fossemos um apêndice que, por mera impossibilidade física de separação, se mantém atado a Portugal. Mas que, se se virmos com atenção, não faz parte do mesmo. Enquanto o País discute novos aeroportos, moderníssimos TGV que passarão tão distantes do Baixo Alentejo quanto possível, mais uns quilómetros de novos acessos rodoviários, outra uma nova ponte rodo e ferroviária sobre o Tejo, há toda uma região que só pode assistir. De longe. Posta à parte. Como quem vê na televisão notícias de países distantes.
Produto do trabalho de vários Governos – por ironia todos pertencentes à Liberdade pós Abril – de Cavaco a Costa, (com a honrosa excepção de José Sócrates que, diga-se o que se disser, foi o único a ter uma estratégia para o Baixo Alentejo, cumprindo o tão propalado triângulo estratégico Sines, Aeroporto, Alqueva com a Auto-estrada A26), o Baixo Alentejo foi sendo recortado do território nacional. Lentamente, com muita atenção, delimitando bem as suas fronteiras, e tendo o cuidado quase cirúrgico que não deixar que nenhuma melhoria transvasasse para dentro dos seus confins. 50 anos depois de Abril, uma das regiões nacionais que mais soube resistir à ditadura, que com mais suor e sangue lhe fez frente, recebeu o amargo pagamento dos representantes da Liberdade. Não temos uma Auto-estrada que nos aproxime do País que que connosco faz fronteira, esse Portugal moderno; não temos um comboio que nos una à metrópole que governa esta colónia do Baixo Alentejo, que serve apenas para contribuir com impostos para que Portugal os invista em todo o lado excepto no local onde os cobrou; e, por ironia do destino, temos um aeroporto. Que para pouco ou nada serve ou interessa aos líderes do País que connosco faz fronteira a Norte e a Sul, pois a proibição de haver ligações rodo e ferroviárias tem vindo justamente a cumprir mais esse papel: esvaziar o potencial daquela infraestrutura. E assim obrigar uma região inteira que se vê obrigada a ter de circular em perigosos caminhos de cabras, pejados de camiões intermináveis, tractores, camionetas que levam e trazem os migrantes dos campos, ambulâncias e veículos das populações; a entrar velha numa automotora a gasóleo dos anos 50 do séc. XX, quando esta funciona; com um Hospital a gritar por obras de ampliação há mais de quarto décadas, para uma região empurrada para estas condições de vida, ouvir falar de SCUT gratuitas é uma realidade bizarra.
Quem me dera que, mesmo pagando, houvesse uma SCUT que levasse a Beja. Levasse o desenvolvimento, a coesão territorial, a justiça nacional, o legítimo merecimento. Durante o bar aberto de asfalto que cobriu o País nos anos 80, Cavaco, nos seus 10 anos de governação, usou infindáveis fundos europeus para ligar o País e duplicar auto-estradas por todos os lados e em todos os sentidos. Com a excepção do Baixo Alentejo. Outros se lhe seguiram e solidificaram essa estratégia de esquecimento de uma parte do País. Sócrates lançou a obra da A26, que ligaria Sines a Beja, cruzando a A2, colocando, finalmente, o Distrito no mapa das vias de acesso dignas para o justo desenvolvimento de populações e empresas. Passos Coelho interrompeu a obra. E Costa, em quase 9 anos de governo, foi o grande vencedor na estratégia deliberada e consciente de afundar ainda mais o Baixo Alentejo. Nada foi feito. Antes; nada foi permitido fazer para que o Distrito de Beja se pudesse desenvolver à semelhança do restante território nacional.
É certo que a execução de Infraestruturas nacionais compete ao poder executivo; é um compromisso que este tem para com o País. Mas este perfeitamente anormal e absurdo estado de coisas não pode ser descolado de uma capacidade nula do poder local. Nunca a edilidade de Beja, ou sequer a associação das câmaras baixo alentejanas, teve brado na voz e determinação nos actos para exigir o que nos era devido. Nem o fez com força, nem com convicção, deixando, com inteira passividade, que os investimentos infra-estruturais fossem sendo direccionados para outros destinos nacionais. Seria bom que um tempo viesse, em que a agora tão falada "Reparação Histórica" pedisse satisfações a toda uma elite inoperante de políticos que nos deixaram nesta insólita e bizarra posição no quadro nacional.
Mas também nós, população, empresas, associações locais de vária ordem, temos responsabilidades no estado de abandono a que chegou o Baixo Alentejo. A Cidade de Beja - as suas cidades - têm mais de 3500 anos de história neste actual Baixo Alentejo. Viemos do Cobre, atravessámos Bronze, e conquistámos o Ferro. Fomos Celtas, Cónios e Cartagineses. Depois de termos sido Alanos e Suevos, e já enquanto Lusitanos lutámos, defendemo-nos, e depois soubemos negociar com os Romanos. Com a sua presença, Julio César deu-nos, em termos administrativos, tanto quanto podia Roma. E trouxe-nos as auto-estradas de então. E havendo comboios eléctricos, aviões e aeroportos, tê-los-íamos tido, seguramente. Passámos depois a Visigodos, acabando com o poder imperial, e continuámos como um território rico e desenvolvido. Fomos árabes e mantivemo-nos como importante e desenvolvido pólo peninsular, parte fundamental do ocidente islâmico, centro determinante de Reinos e Taifas. Lutámos e soubemos defender-nos dos cristãos.
Tornámo-nos católicos e nunca faltou garra ao nosso povo Pacense para conservarmos a Cidade e a região face a todos os inimigos. Lutámos bravamente contra espanhóis e franceses sempre que nos quiseram invadir. Fomos importantes para o fim de uma monarquia moribunda. Na República soubemos resistir a uma ditadura. E eis que quando, finalmente, chegou a democracia, fomos dormir. Deixámos de querer saber. Entregámos os nossos destinos e poder colectivo a um conjunto de gente que apenas por aqui foi passando, levando consigo, sem os tumultos revoltosos do antigamente, o que restava da nossa dignidade e outrora importância. Todos os líderes de todos os povos que por aqui passaram souberam perceber as potencialidades de Beja e do Baixo Alentejo. Ter-se-ão, todos eles, durante milénios de história, enganado? Dando razão a toda esta elite política mansa e sonsa que infelizmente se apoderou dos nossos destinos? Durante os 50 anos de Abril mais não fizemos do que ficar a ver debandar serviços, pólos de decisão, massa crítica, investimentos e oportunidades, tantas. Acordámos tarde. Espero que não nos deixemos dormir novamente. Que nos saibamos indignar. Que nos levantemos do sofá e saibamos exigir o que por direito é nosso. Quem me dera que, mesmo pagando, houvesse uma SCUT que levasse a Beja.