
«ISTO DE SER MODERNO É COMO SER ELEGANTE: NÃO É UMA MANEIRA DE VESTIR, MAS UMA MANEIRA DE SER»
Começo esta crónica e irei terminá-la com José de Almada Negreiros, essa figura tão especial do panorama artístico português. Sobre ele, e sobre os seus textos, Jorge de Sena escreveu que “redescobriu inteligentemente a ingenuidade convidando continuamente o leitor a olhar o mundo com deslumbramento.” Pois é sobre esta característica, que tanto aprecio e persigo, que quando aplicada a uma obra determina que essa obra corra o sério risco de ser precipitadamente apelidada pelos iluminados “salvos pela graça” de “platitude lamechas”, “fácil moralidade”, ou semelhante. Afinal, hoje, como há pouco tempo Maria do Céu Guerra afirmou num programa de televisão, “trabalha-se de uma forma autofágica: o teatro para o teatro; a música para a música: a literatura para a literatura, etc.” E depois existe o resto: material de consumo imediato, tão veiculado pelas televisões, ao gosto de pessoas pouco ou nada inquietas e que, infelizmente, parecem ser cada vez mais. Ora, quem não “foi abençoado pelas estrelas” nem pelos “deuses do imediato”, vive no Limbo ou no “Seio de Abraão”: não está no inferno, mas está fora dos limites do céu, logo, privado da visão beatífica de Deus. Para continuar a aventura, impõe-se a perseverança, a resiliência na busca da qualidade da/na simplificação e, muito especialmente, a paixão, essa mola propulsora que (quase) desconhece o impossível. Estas são características que marcam a maneira de ser dos habitantes do Limbo. É por estas bandas que eu ando. Sempre e em tudo. Uma amiga, com uma longa carreira na pintura, disse-me uma vez que anda sempre a pintar o mesmo quadro… Eu diria que ando sempre a fazer a mesma coisa, movida pelo belo e pela vontade de dar corpo a ideias que resultem de encontros de quem ouve/sabe ouvir a mesma melodia.
Como em breve encerro um ciclo de quatro anos de intenso (e gratificante) trabalho na instituição que me emprega, em período de confinamento nasceu um projecto que nada tem a ver com ela. Trata-se de algo que me permitiu uma incursão pelo mundo da música, ousando escrever letras. Um ser humano de quem gosto e por quem tenho amizade, que é também um músico experiente, interessou-se por essas letras e musicou-as, sozinho ou com a ajuda de outros. Chamou ainda mais alguns para, com ele, cantar esses temas. A determinada altura, percebemos a unicidade do projecto que tínhamos em mãos. E continuámos a chamar mais pessoas para colaborar. Todas apaixonadas pelo Alentejo e conscientes da necessidade deste território ganhar “escala”, para ter “voz”. Uma voz que a LUZAZUL – o nome da banda de música popular criada especificamente para este projecto, e que conta com o Adriano Alves (baixista), o Bernardo Emídio (voz), o João Frade (acordeonista), o José Emídio (voz e viola campaniça), o Ruben Lameira (voz) e o Tiago Oliveira (guitarrista), quer fazer ouvir. Assim as “condições meteorológicas” o permitam.
Afinal, “Nós não somos do século d’inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d’inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”, em A Invenção do Dia Claro (1921)
