Opinião Atual

O Orçamento de Estado e a crise de entendimento político

A forma como alguns partidos políticos têm gerido o processo de preparação, discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2025, o qual constitui uma das peças mais importantes do nosso sistema político-jurídico e administrativo (lei com valor reforçado) é, no mínimo, preocupante.

A coberto daquela ideia atribuída a Winston Churchill de que "a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros” e da sua legítima extrapolação para o democrático sistema político português, o que tem acontecido nestes últimos tempos, em Portugal, vem configurando algum exagero (multi)polarizado de circunstâncias nada consonantes com o respeito pela diversidade. Entendendo-se a diversidade como um dos fundamentos da Democracia e da Liberdade, importa que os seus princípios se apliquem de forma adequada, sob pena da sua não coerência redundar na prepotência ou nos extremismos sempre à espreita, tanto mais, que tais comportamentos estão a provocar – ainda mais! – um acentuado divórcio entre os cidadãos e a estrutura político-partidária do nosso país.

Esta inferência é tão mais válida quanto o que nos indicam os resultados da abstenção eleitoral em todas as eleições (de qualquer tipo!) em Portugal. Ou seja, cada vez mais o cidadão comum não parece rever-se (ou, mesmo, não acreditando!) no sistema de representação dos órgãos políticos de decisão, baseando os seus fundamentos (vividos, sentidos e representados) nas diferenças entre os compromissos eleitorais e as posteriores prácticas da generalidade das forças político-partidárias, nos governos e nas oposições.

A realidade mostra-nos que há partidos políticos em Portugal que parecem mais focados em evitar eleições do que chegar a consensos que beneficiem o país. Esse impasse reflete uma crise de cooperação política, onde a falta de diálogo e entendimento sobre as questões centrais para o desenvolvimento do país se torna evidente. O receio de novas eleições pode ser visto como um sinal de insegurança por parte dos partidos (em sentido genérico, claro!) em relação ao seu desempenho eleitoral, ou como uma tentativa de preservar o status quo, em vez de buscar soluções mais amplas que envolvam concessões mútuas e um verdadeiro espírito democrático. Enfim, não sendo uma crise da Democracia é, no entanto, uma preocupante “crise de entendimento político”, contrariando o que é fundamental para a vida democrática.

O paradoxo é evidente: - Os partidos dizem rejeitar a convocação de eleições, enquanto a democracia assenta no princípio de que o poder soberano deriva do voto dos cidadãos. Ora, se as divisões internas no parlamento impossibilitam um consenso sobre questões fundamentais, não seria “mais democrático” voltar a consultar a vontade popular? Tal questão leva-nos, inevitavelmente, a outra dúvida sobre a legitimidade (e/ou capacidade de gestão política?) dos nossos representantes nos diferentes órgãos da decisão: - Até que ponto os eleitos refletem, de facto, a vontade do povo, se essa vontade não pode ser confirmada através de eleições regulares ou de uma comunicação constante entre eleitores e eleitos?

Se o parlamento é incapaz de funcionar de acordo com os interesses e necessidades do país, o voto pode ser visto como uma ferramenta crucial para corrigir o rumo, permitindo que os cidadãos reavaliem os seus representantes. No entanto, é importante refletir sobre o peso e as consequências de convocar eleições com demasiada frequência, que podem gerar instabilidade e desgaste, tanto para as instituições como para a confiança dos cidadãos no sistema democrático.

A relação entre as propostas eleitorais e a respectiva aplicação continua a ser o fiel da balança para a credibilidade dos eleitos desde o colectivo eleitor. Esta é uma das grandes questões da democracia moderna. Por isso, importa sublinhar a importância do voto de cada cidadão eleitor, pois, esse é o caminho mais justo para clarificar as posições e renovar a legitimidade dos eleitos.

Em todo o caso, no momento presente, é fundamental ponderar se um novo processo eleitoral resolveria/á realmente as divisões políticas ou apenas repete um ciclo de inacção e disputa partidária, enquanto, cada vez mais, os cidadãos comuns se vão afastando dos interesses partilhados da sociedade ou, como se referiu, da própria participação na vida cívica e no processo de consolidação da Democracia e da Liberdade.

Finalmente, embora esta análise assente no realismo e nas circunstâncias de “ver, ouvir e ler” o que se vai passando no nosso mundo, isto é, pelas evidências na óptica de um cidadão independente face a vínculos político-partidários, aceito que a mesma não receba pleno acolhimento. Essa é, igualmente, uma virtude do pensamento livre e democrático. Por isso, tomando boa nota de possíveis dissonâncias, será mesmo entendida como inócua qualquer “rotulação” ou “coordenada topográfica” afim a algum tipo de “geometria linear esquerda-centro-direita” sobre o autor.  

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