O PODER SAÍDO DO GOLPE DE ESTADO DE 25 DE ABRIL, AS MANOBRAS DE SPÍNOLA E O GOLPE PALMA CARLOS (I)
Nos últimos textos desta rubrica mostrou-se como o 25 de abril de 1974 espoleta a criação e desenvolvimento de um movimento popular em Beja – o mesmo acontecendo no resto do país – que nos locais de trabalho e na rua contribui de forma decisiva para a democratização social e política da sociedade portuguesa. Todas estas movimentações do povo, num quadro de desarticulação das forças repressivas do estado e da quebra da hierarquia militar estado novista, por força do triunfo do golpe militar dos capitães, repercute-se nas instâncias governativas do país, clarificando posições e influenciando uma guinada à esquerda na situação política.
António de Spínola não é o homem indicado pelo MFA para presidir à JSN (Junta de Salvação Nacional), mas sim o general Costa Gomes que não aceita, propondo em sua substituição o nome do ex-Governador da Guiné. Alguns dos membros da JSN nada têm a ver com o MFA e o seu espírito, casos de Jaime Silvério Marques, Galvão de Melo e Diogo Neto. Da discussão fortíssima que se trava entre Spínola e o MFA desde a prisão de Marcelo Caetano, no fim da tarde de 25 de abril, e a apresentação ao país, na manhã de 26 de abril, do programa do MFA e da constituição da JSN, surge uma alteração importante no programa político dos capitães de abril por imposição do general. Trata-se da posição do novo poder em relação às colónias portuguesas. É assim que na proclamação lida aos portugueses, a 26 de abril, se refere o compromisso da JSN em “garantir a sobrevivência da nação soberana no seu todo pluricontinental” e não, como consta do programa original do MFA, o direito dos povos das colónias à autodeterminação. Esta foi a imposição de Spínola para aceitar o cargo de Presidente da JSN, portanto de Presidente da República.
Spínola, ao contrário do MFA que faz o 25 de abril, continua a pensar que a solução para a guerra colonial está na constituição de uma república de tipo federal, ideia que defende no seu livro “Portugal e o Futuro” e a que chama de “Comunidade Lusíada.
Chegado a Presidente da República pelo recuo de Costa Gomes, Spínola vai, então, pôr em prática o seu projeto para Portugal onde assume especial relevo a solução federalista para a questão ultramarina. Para atingir este objetivo nomeia oficiais da sua confiança para os comandos das forças armadas, senta no Conselho de Estado, órgão com poderes constituintes que se forma em 31/05/1974, pessoas de perfil conservador como Diogo Freitas do Amaral, e escolhe para primeiro-ministro do I Governo Provisório Adelino da Palma Carlos, homem também bastante conservador, isto depois de rejeitar todos os nomes que lhe são propostos pelo MFA: Raul Rego, Miller Guerra e Pereira de Moura, os quais têm em comum o facto de discordarem da sua tese federalista.
O objetivo de Spínola é claro: retirar o comando das forças armadas ao MFA e controlar, por força dos membros da sua confiança com assento na JSN e no Conselho de Estado, os dirigentes do movimento militar que tinham feito o 25 de abril. Embora obrigado a ceder à esquerda na composição do I Governo Provisório com a inclusão, como ministros, de Álvaro Cunhal e Mário Soares, realidade ditada pelas grandes movimentações populares de que o 1.º de Maio de 1974 é um bom exemplo, Spínola joga abertamente na neutralização do MFA nos órgãos de Estado, condição indispensável à concretização da sua tese federalista em relação às colónias.
Com os homens da sua confiança colocados em lugares chave, Spínola avança para a fase seguinte e a qual consiste no esvaziamento dos poderes do MFA. É assim que o antigo comandante na Guiné, com a ajuda de Sá Carneiro e Vieira de Almeida, ambos ministros do I Governo Provisório, propõe na reunião de oficiais do MFA, realizada a 13 de junho de 1974, na Manutenção Militar, o reforço dos seus poderes em tudo o que diga respeito à questão ultramarina. A proposta é, no entanto, rejeitada o que conduz ao chamado “Golpe Palma Carlos”.