
Um eleitor da extrema-direita
Agora, já reformado, continua a frequentar o café central onde passa o tempo a lançar impropérios contra os políticos, ao mesmo tempo que enaltece Salazar, o André Ventura e, sabe-se lá porquê, o cardeal Cerejeira.
Ele, aos vinte e poucos anos, tinha herdado do pai a atividade de seareiro e de alugador de máquinas que este tinha mantido desde final da década de 1960, prestando serviços, fundamentalmente de trator, aos pequenos proprietários agrícolas que se iam aguentando graças às remessas de dinheiro provenientes da emigração que varreu o Alentejo neste período.
É nesta situação, fazendo a sua seara numa parcela de terra que trazia de renda numa das herdades da freguesia, que o 25 de abril de 1974 o apanhou. Ocupada a herdade, a comissão de trabalhadores da cooperativa que então se formou, juntamente com membros do sindicato agrícola, propuseram-lhe a sua entrada na Nova Unidade de Produção. As condições eram claras. Ele entrava para a cooperativa, com o trator e a enfardadeira mecânica de que era proprietário, recebendo a respetiva indemnização quando existisse dinheiro, e passaria a ser um cooperante igual aos outros, integrando naturalmente a direção da cooperativa por ter uma visão global de uma exploração agrícola, coisa que os assalariados rurais que a tinham ocupado não possuíam.
Ele não aceitou. O que ele queria era a continuar a trazer de renda aquela parcela de terra e continuar a prestar os serviços agrícolas, como vinha fazendo, com as alfaias agrícolas de que era proprietário. E a partir desse momento tornou-se um inimigo da reforma agrária, que atacava nas tabernas da aldeia, com isto isolando-se dos antigos companheiros, trabalhadores agrícolas. Agora, quem o queria encontrar só tinha de dirigir-se ao café central, instalado no largo da vila, sede de concelho, onde, quando não tinha trabalho, passava o tempo em cavaqueira acalorada com antigos feitores dos latifundiários ocupados, grandes rendeiros/intermediários de gado, moços de mão de agrários para o que fosse necessário, médios proprietários absentistas, a maior parte ex-membros da Legião e da ANP (Ação Nacional Popular), partido único do fascismo, e algumas figuras menores do funcionalismo público, antigos informadores da PIDE /DGS, a polícia política da ditadura acabada de derrubar.

A frequência deste meio possibilitou-lhe alargar os negócios. Entrou no tráfico ilegal de animais para Espanha, oriundos das herdades dos grandes proprietários apostados em sabotar o novo regime saído do 25 de abril, chegando mesmo a ser, na sua zona, um dos organizadores dos grupos de terroristas / fascistas do MDLP e do ELP que puseram o país a “ferro e fogo” no ano de 1975, com assaltos e atentados às formações políticas de esquerda, de quem recebeu verbas avultadas que, em muito, o ajudaram a instalar-se bem na vida.
Com a estabilização da democracia, as suas preferências políticas oscilaram entre o CDS e o PSD, conforme isso fosse o mais favorável aos seus interesses imediatos, sem nunca, no entanto, deixar de ser um militante ativo da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), de quem, ainda hoje, se mantém um fiel aderente. Casou, teve quatro filhos, dois fora do casamento, que não reconhece, vivendo os outros dois como gerentes de sociedades do agro-negócio ligadas ao olival intensivo, aderentes do PSD em passagem acelerada para o partido Chega.
Hoje, já reformado, continua a frequentar o café central onde passa o tempo a lançar impropérios contra os políticos, ao mesmo tempo que enaltece Salazar, o André Ventura e, sabe-se lá porquê, o cardeal Cerejeira. Dizem que é por influência de um neto seu, padre, seguidor do grupo ‘fascistera’ católica, jovens sacerdotes ultraconservadores que rezam pela morte do Papa Francisco.