Bispos asseguram que Igreja Católica em Portugal está num “ponto sem retorno” no combate aos abusos
O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) considerou que a Igreja Católica em Portugal está “num ponto sem retorno” quanto aos abusos sexuais.
Em comunicado divulgado no final da reunião do Conselho Permanente, que decorreu em Fátima, os bispos que integram a CEP asseguraram que a Igreja irá continuar “a trabalhar, dando atenção aos muitos indicadores que estão presentes no Relatório Final” da Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais de Menores na Igreja Católica em Portugal, apresentado em 13 de fevereiro.
“O caminho que a Igreja em Portugal está a percorrer, seguindo os passos de um processo que o Papa Francisco indicou para toda a Igreja e que tem por objetivo essencial proteger as vítimas e garantir a segurança e confiança nos ambientes da Igreja Católica, abre portas à esperança e ao compromisso para que comportamentos e atitudes do passado não se voltem a repetir”, acrescenta o comunicado do Conselho Permanente da CEP.
O Conselho Permanente da CEP acrescenta que as vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal continuam a ser a “prioridade em todo este processo”, reafirmando a “disponibilidade para acolher e escutar as vítimas que o desejarem”, mantendo “o firme compromisso de assumir as (…) responsabilidades e disponibilizar às vítimas todas as ajudas necessárias para o seu acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico, e outras formas de reparação do crime cometido”.
“Estamos a encetar contactos para a criação de um grupo responsável pelo acolhimento e acompanhamento das vítimas. Este grupo operativo, com caráter de autonomia, constituído por pessoas que garantam credibilidade e confiança perante as vítimas, será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional e com as Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis”, adiantam, confirmando uma medida que já havia sido anunciada em 03 de março.
Na reunião de ontem, foi feito um reconhecimento do “trabalho realizado pelos bispos e administradores diocesanos em relação aos suspeitos de abusos, nomeadamente quanto à identificação de situações ainda não esclarecidas, com a ajuda da ex-Comissão Independente e do Grupo de Investigação Histórica dos arquivos”, refere o comunicado.
“Quando for entregue em finais de abril à Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), a lista com os nomes dos alegados abusadores relativos aos Institutos de Vida Consagrada terá o devido seguimento por parte dos Superiores Maiores das congregações”, acrescenta a nota, informando que a reunião de hoje contou com a participação online de alguns membros da Comissão Independente que foi liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.
Entretanto, as diretrizes da CEP sobre o abuso de menores e adultos vulneráveis “estão a ser revistas tendo em conta as sugestões e recomendações do Relatório Final, à luz do manual de procedimentos (Vademecum) da Santa Sé, revisto em junho de 2022, o qual define o tratamento destes casos e que é seguido por todos os responsáveis eclesiásticos”, anunciou o Conselho Permanente, adiantando que “a ‘tolerância zero’ perante as situações de abusos é assumida pela CEP, respeitando a autonomia de cada diocese”.
Com as comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis, criadas por determinação do Papa Francisco, em processo de reestruturação com vista a integrarem apenas leigos, os bispos asseguram que “estas são organismos da Igreja (…) cada vez mais capacitadas para o adequado tratamento da problemática dos abusos de menores”.
O comunicado tem ainda espaço para uma referência às "reações dos católicos e de outros membros da sociedade portuguesa às decisões tomadas na Assembleia Plenária extraordinária de 03 de março”, que se saldaram em muitas críticas, desde logo do Presidente da República.
“Gostaríamos de agradecer e dizer que valorizamos o escrutínio público. Estamos totalmente disponíveis para caminhar com toda a sociedade na erradicação do drama dos abusos sobre menores, no apoio permanente às vítimas e no julgamento dos agressores. Lamentamos que, diante da complexidade do tema, nem sempre tenhamos comunicado as nossas intenções com clareza”, afirmam os bispos no comunicado de hoje.
O documento confirma ainda outras ações anunciadas em 03 de março, como “o propósito de realizar um memorial e uma jornada nacional de oração pelas vítimas de ‘abusos sexuais, de poder e de consciência na Igreja’” em 20 de abril, dia em que termina a próxima Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portugal, que se realizará em Fátima a partir do dia 17 desse mês.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.
Na sequência destes resultados, algumas dioceses decidiram já afastar cautelarmente do ministério alguns padres, nomeadamente Angra, nos Açores (dois padres), Évora (um), Guarda (um), Braga (um) e Vila Real (um).