Em declarações à Lusa, Afonso do Ó, da Associação Portuguesa da Natureza/World Wide Fund for Nature (ANP/WWF), disse que, apesar de a cooperação política entre os dois países ser “excelente”, falta avançar na parte técnica, com a criação de uma comissão ibérica de acompanhamento permanente das disponibilidades e necessidades de água para manter a sustentabilidade ambiental do rio e do estuário do Guadiana.

A captação de água no rio Guadiana, a montante do Pomarão, no concelho de Mértola, distrito de Beja, é uma das medidas previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado pelo Governo, que destina uma verba de 200 milhões de euros para a implementação do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve.

“A grande questão que existe é que há caudais definidos para os rios que partilhamos com Espanha, mas no caso deste troço final do Guadiana não existe. Existe apenas um caudal diário que não faz grande sentido”, afirmou o especialista, à margem de um ‘webinar’ ibérico “Cooperação transfronteiriça, usos e escassez de água no Baixo Guadiana”, organizado pela ANP/WWF.

Segundo Afonso do Ó, há “caudais definidos para Tejo e Douro” e “devia-se fazer o mesmo para Guadiana”, frisando que, “não só não existe um caudal acordado entre Portugal e Espanha, como não existem caudais ecológicos, que deveriam ser obrigatórios para garantir a qualidade da água em todo o troço final”, até ao estuário do Guadiana.

“E isso não existe porque houve, de facto, conflitos de interesses entre Portugal e Espanha, que têm a ver com captação de água que Espanha já faz quando o rio volta a ser internacional, junto ao Pomarão, na chamada Boca do Chança, a foz do rio Chança”, argumentou o especialista em questões de água e do clima da ANP.

O rio Chança é um afluente do Guadiana localizado na sua margem esquerda, junto ao Pomarão, a cerca de 70 quilómetros da foz, para onde está prevista a criação de uma captação de água como medida para combater a escassez de água no Algarve, ao abrigo do Plano Regional de Eficiência Hídrica.

A mesma fonte lamentou que, nessa zona, já se faça “uma captação ilegal” de água para abastecer a agricultura na província andaluz de Huelva, em Espanha, que “nunca foi aceite por Portugal e nunca foi incorporada” nos acordos estabelecidos nesta matéria entre os dois países.

“E Portugal não só não conseguiu isso, como agora se prepara para fazer o mesmo, ou seja, no Plano de Eficiência Hídrica do Algarve está prevista uma potencial captação direta do rio [no Pomarão] para a barragem de Odeleite”, criticou, considerando que as “coisas estão a ser feitas ao contrário”.

Segundo o representante da WWF em Portugal, “primeiro devia haver um acordo entre as partes” para “saber que água existe e qual a água necessária para o caudal ecológico”, e “só depois autorizar captações”, dentro das disponibilidades existentes.

“O que se está a fazer é o contrário. Primeiro vamos lá, sacamos água, nós e eles, e depois vemos o que sobra”, criticou, frisando que isso acontece numa bacia que está, “ainda por cima, tão sujeita a períodos de escassez” de água, cada vez mais frequentes devido aos efeitos das alterações climáticas.

“Numa área árida da Península Ibérica, estamos de facto a arriscarmo-nos a que, sobretudo em situações de seca, falhe água. E os agricultores serão os primeiros a ficar sem esse acesso”, advertiu o especialista.

Afonso do Ó defendeu a necessidade de haver “intervalos de segurança”, mas também “coragem política” e “capacidade do Estado” para “perceber que não se vai garantir a regantes água que já se sabe que vai faltar metade dos anos”.

“Não é em todo o lado, pode haver sistemas que permitam expansão dos regadios, mas muitos deles, aqui em baixo [no Baixo Guadiana], já sabemos que não são, porque ano sim, ano não, estão a ter problemas e estão no limite do abastecimento”, apelou.

Apesar de reconhecer que tem havido “boa cooperação política e diplomática” entre Portugal e Espanha nesta matéria, Afonso do Ó considerou que falta “ir mais longe ao nível técnico”.

O ‘webinar’ ibérico organizado pela ANP/WWF é o terceira do género realizado por estas associações ambientalistas, depois dos que se debruçaram sobre as bacias do Douro e do Tejo, em setembro e fevereiro, respetivamente.


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