Cuba: Operação que desmantela rede de tráfico de pessoas 'acorda' pacatez da vila alentejana
A pacatez da vila de Cuba, no distrito de Beja, foi interrompida, hoje de madrugada, por causa da operação policial que desmantelou uma rede criminosa que se dedicava ao tráfico de pessoas no Baixo Alentejo.
Mário Lemos é vizinho e proprietário de uma das casas onde viviam trabalhadores migrantes, arrendada a um alegado elemento da organização criminosa, alvo de buscas por parte de inspetores da Polícia Judiciária (PJ).
“A PJ, às 06:00 da manhã, veio-me acordar. Eu estava deitado e bateram à porta com força”, relata aos jornalistas Mário Lemos, que vive no rés-do-chão de um prédio situado na rua Serpa Pinto, em Cuba.
O dono do prédio refere que, quando abriu a porta, explicou que era apenas o proprietário da habitação. Os elementos da PJ subiram ao primeiro andar da casa e “revistaram todos os marroquinos e deram volta a tudo o que tinham”.
“Tive que ir a Beja para fazer uma assinatura” para confirmar que “eram 17 pessoas que estavam aqui a dormir”, salienta.
Durante a tarde, constatou a Lusa no local, a casa permanecia com a porta e janelas abertas e a iluminação interior ligada.
Segundo o proprietário do imóvel, o primeiro andar dessa casa, com 10 quartos, além de casas de banho e cozinha, era, até agora, habitado por 17 migrantes marroquinos e o arrendatário é um cidadão romeno.
“É ele que é responsável pelo pagamento” da renda, que ascende a “350 euros” por mês, mas, “este mês, não pagou ainda”, realça, sublinhando, contudo, que o arrendatário, que mora noutra casa também situada na vila, “costuma-se atrasar, mas paga”.
Adiantando que a casa já está alugada a este cidadão romeno há, “pelo menos, três ou quatro anos”, Mário Lemos diz que as pessoas que habitam na casa mudam constantemente e que os atuais moradores estavam lá “há dois meses”.
“A casa tem condições, eles é que não a estimam”, porque está “tudo abandalhado e a higiene é muito pouca”, sublinha, considerando que a habitação, com 10 quartos para 17 pessoas, “dá perfeitamente para a habitarem bem”.
Mostrando-se surpreendido com esta operação policial, o proprietário da casa conta ter ouvido que o arrendatário romeno será um dos detidos pela PJ e admite que os migrantes possam ter sido explorados por elementos desta rede criminosa.
“Andam a trabalhar e não têm dinheiro para comer sequer”, lamenta.
Ao final do dia, um grupo mais de 10 marroquinos regressou a esta casa para recolher os seus pertences e ser transportado para outro local, não identificado para ser realojado em instalações de uma instituição solidariedade social, ao abrigo da Segurança social, contou um deles.
à porta de um salão de cabeleireiros para homem, situado na mesma rua e a poucos metros da casa habitada por trabalhadores migrantes, três habitantes da terra conversam sobre o tema do dia.
“Vê-se a vida que os grandes fazem. Por isso, há exploração de certeza”, afirma à Lusa um dos homens, que não quis se identificar, invocando medo de represálias.
Este habitante realça que a vila de Cuba “é um meio pequeno” e que a operação da PJ não passou despercebida: “Fala-se em todo o lado”, quanto mais não seja por estar “a dar nas notícias da televisão o dia todo”.
Também na rua Serpa Pinto, num salão de cosmética, Sónia Isabel atende uma cliente e diz à Lusa que só se apercebeu da operação policial quando chegou ao seu espaço comercial e viu os elementos da PJ e carrinhas a levarem os migrantes.
Admitindo que sabia que um grupo de migrantes habitava aquela casa, Sónia confessa que nunca pensou que eram vítimas de tráfico de pessoas, pois “já é normal” chegarem a Cuba trabalhadores estrangeiros para trabalhar no campo.
Nesta operação, a PJ deteve 35 pessoas pertencentes a uma rede criminosa que contratava trabalhadores estrangeiros para a agricultura no Baixo Alentejo, revelou uma fonte policial à Lusa.
Mais tarde, em comunicado, a PJ indicou que os 35 detidos estão “fortemente indiciados” pela prática de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, entre outros crimes.