A representatividade de artistas bejenses numa escala nacional não é um fenómeno recente - dos Adiafa aos Virgem Suta, de António Zambujo a Buba Espinho, podemos encontrar diversos exemplos de nomes da capital do Baixo Alentejo no panteão da música portuguesa. Porém, existe um universo para lá da realidade mainstream onde nomes provenientes do distrito de Beja trilham o seu caminho dentro do panorama musical lisboeta e que, consequentemente, se fazem notar no circuito independente da música portuguesa.

Como poderemos verificar nos exemplos que se seguirão, a criação musical de origem alentejana encontra-se bastante ativa, atual e pronta para investir nos mais variados caminhos estéticos, evidenciando a importância que o interior e as periferias possuem na construção do tecido cultural dos grandes centros urbanos. Porque as searas também podem (e devem) ser cultivadas em selvas de betão, segue-se a apresentação de quatro nomes que se recomendam vivamente a manter debaixo de olho:   

Andrage

Iniciando o seu percurso em Lisboa no ano de 2017, os Andrage são constituídos por Humberto Dias (bateria), Margarida Marques (voz), José Rego (baixo), Pedro Campos (guitarra), João Heliodoro (sax tenor) e Daniel Gouveia (trompete). Quatro dos músicos deste sexteto são oriundos do distrito de Beja, mas a sua ligação com a região não fica por aqui: também o próprio nome que designa o grupo remete para uma planta que cresce no território alentejano. Desde a sua formação, os Andrage já marcaram presença em salas de espetáculo como o Popular de Alvalade, o Sabotage Club, a Casa Independente ou o Cinema Municipal de Mértola, e em festivais como o Festival Termómetro ou o Caldas Late Night.

Após o lançamento dos singles Getting Wild, Sign (ambos em 2018) e Stuck (2020), o grupo lança o seu primeiro longa-duração – gravado e masterizado por Bruno Xisto no Black Sheep Studios - a 16 de abril do presente ano, através da agência Throwing Punches. Torna-se evidente à primeira escuta que a sonoridade deste projeto é caracterizada por uma abordagem eclética, onde o rock clássico dos anos 60/70, o jazz, o funk ou a soul coabitam naturalmente. É este tipo de junção que define o trabalho lançado pelos Andrage até à data, o qual pretendem dar a conhecer expansivamente através de atuações ao vivo nos próximos tempos.

https://open.spotify.com/album/3mdB0tvuYilJ9pXrgIIb4S?si=JU7xpM1eR5O7XvxjaPWBHQ&dl_branch=1

Cancro

Autodenominando-se enquanto “banda independente de contra-cultura”, este projeto surge dentro da redoma de projetos associados ao estúdio/agência/promotora HAUS, dirigida pelos músicos do conceituado grupo alternativo Paus, que partilha com os Cancro o músico Fábio Jevelim. Os restantes músicos a completar os Cancro, por sua vez, iniciaram o seu percurso musical dentro do panorama alternativo bejense: Tiago Lopes e José Penacho tocaram juntos nos Balão Dirigível (com dois EPs gravados no Black Sheep Studios) e o segundo músico é também vocalista e guitarrista dos Marvel Lima, outro grupo de raízes alentejanas com projeção na cena independente nacional.

O nome deste trio pode ferir suscetibilidades, mas a sua origem reside nos “cancros sociais” que afetam o mundo atual, sendo o projeto guiado pela observação crítica dos mesmos; não será, portanto, surpreendente, que um projeto deste tipo de natureza transgressiva e ativista assente numa estética punk, porém adornada por instrumentação eletrónica, o que lhe confere uma sonoridade mais moderna. Dando-se a conhecer ao mundo no final de 2019 - com o single de avanço Plástico, seguindo-se o seu primeiro álbum + (mais) um mês depois -, os Cancro já pisaram diversos palcos a nível nacional como o Sabotage Club, a Sociedade Harmonia Eborense, o Salão Brasil ou o Hard Club e no dia 7 de outubro irão participar no Festival Iminente, num cartaz onde podemos encontrar nomes como Dino D’Santiago, Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra, Ana Moura ou DJ Ride.

https://bandacancro.bandcamp.com/

Silly

Silly é o alter-ego de Maria Bentes, natural dos Açores, deslocando-se para Serpa durante a sua infância. Iniciou o seu percurso musical aos 12 anos de idade, através de aulas de guitarra, transitando posteriormente para o piano, concluindo o ciclo básico deste instrumento na vertente clássica. A sua incursão a nível criativo enquanto Silly dá-se após a sua transição para Lisboa, com o lançamento do seu primeiro single, além (com a adaptação de um instrumental pré-concebido), em abril de 2020, seguindo-se intencionalmente em novembro do mesmo ano, e culminando com a sua apresentação ao vivo no mês seguinte na Galeria Zé dos Bois, no âmbito do ciclo “A Vida Continua”.

O universo musical de Silly centra-se na fusão entre o hip-hop, o r&b, o jazz e a bossa nova, dentro de um registo “do it yourself”, onde assume toda a escrita, composição e instrumentação dos seus temas. Recentemente, a artista participou a 17 de Setembro no festival MIL –Lisbon International Music Network, e, a 1 de Outubro, disponibilizou o single Vida a Mil (inspirado pelo “sentimento de ser de todo o lado e de lado nenhum”, durante uma viagem entre Serpa e Lisboa), produzido por EU.CLIDES e antecipando o seu o EP de estreia, Viver Sensivelmente, com lançamento previsto para este mês pela XXIII, um coletivo de produtores e comunicadores de música sediado no Porto.

https://open.spotify.com/artist/4IIEmvJstuMbrPadNIpRRx?si=8bpLR_7IRJKgAK_dVBiU6w&dl_branch=1

Carincur

Inês Cardoso é Carincur, nascida em 1992 e residente em Almada. Estudou música no Conservatório Regional do Baixo Alentejo, concluiu os seus estudos secundários em Artes Visuais na Escola Secundária Diogo de Gouveia em 2010 e licenciou-se em Teatro na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha em 2014. É fundadora do coletivo artístico Yuuts Ruoy e pertence à direção da Zigur – Associação Cultural, através da qual assume os papéis de produtora e de gestora administrativa e financeira no festival musical lamecense ZigurFest.

A formação multifacetada de Inês Cardoso revê-se claramente no seu percurso enquanto Carincur: O seu trabalho combina performance, música eletrónica experimental, e instalações audiovisuais, explorando a relação entre espaço, corpo, voz e máquina enquanto meios de criação artística. Estes elementos são realçados no seu álbum de estreia, Sorry If I Make Love With Sound, editado em 2019 pela lisboeta Zabra Records. O mais recente projeto de Carincur, Echos from a liquid memory, procura expandir esta justaposição transdisciplinar, em que o instrumento principal será um tanque em acrílico com hidrofones onde a água em si contida será sujeita a manipulação sonora e imagética; o objetivo reside em criar “um novo ecossistema, onde interações de matéria orgânica e não-orgânica criam alterações no ambiente, ao mesmo tempo que a realidade física e digital coexistem numa narrativa abstrata, entre uma memória líquida, desfragmentada, e a perceção de nós mesmos projetada, no espaço e no tempo”. Echos from a liquid memory será apresentado ao público nos dias 8 e 9 de outubro na galeria MONO (Lisboa) e no dia 14 do mesmo mês no Centro de Artes nas Caldas da Rainha.

Sorry If I Make Love With Sound | Carincur | ZABRA (bandcamp.com)

 

 

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