Kontributu: um retrato da travessia transatlântica de Silvano Sanches
Silvano Sanches, em entrevista a João Spencer, para “O Atual”, conta-nos a forma como o seu trajeto musical e geográfico convergiram na realização da sua recente estreia discográfica em nome próprio.
Foto: José Maria Barnabé - CM Beja
Silvano Sanches nasceu na cidade da Praia, em Cabo Verde, fixou-se em Beja no ano 2002, para realizar os seus estudos no ensino superior. Iniciou a sua carreira musical nesta cidade através da formação do grupo Baboza Afromusic, e, em 2008, viu a necessidade de redefinir as suas ambições ao vencer o Prémio Orlando Pantera na categoria de Melhor Composição. Em 2011, ruma em direção à Suíça, dando continuidade ao seu grupo com músicos locais, mas é ao regressar ao Baixo Alentejo que Silvano decide reinventar a sua carreira em nome próprio, influenciado pela bagagem intercultural de todo este percurso. O primeiro fruto desta nova etapa é o álbum Kontributu, concebido em Serpa entre julho de 2019 e setembro de 2020 por via do programa RAM - Residências Artísticas Musibéria e lançado a 19 de Julho de 2021 no âmbito da sua primeira apresentação ao vivo no Festival Musibéria – Encontro de Culturas, na mesma cidade. Silvano Sanches revela-nos então como se traçou o perfil de um artista simultaneamente comprometido à sua identidade cabo-verdeana e aberto ao intercâmbio cultural, de forma a registá-lo neste álbum.
Como se dá a tua vinda a Beja e de que forma é que influenciou a tua carreira musical?
Bem, eu vim para Beja para estudar, consegui vaga no Instituto Politécnico (de Beja) para estudar animação sociocultural e gostei da cidade e das pessoas. A música sempre me acompanhou, desde adolescente, já tocava guitarra e cantava com amigos em Cabo Verde e, quando cheguei aqui, também encontrei um bom ambiente, em termos de músicos e de atividades culturais no ambiente estudantil, onde realizavam iniciativas que juntavam os alunos do programa Erasmus. Também tínhamos um grupo de cabo-verdeanos aqui muito sólido. Então, estávamos sempre a fazer as nossas tocatinas, aos fins-de-semana as nossas cachupadas, e a música sempre continuou assim, até que, pela força dos convites que foram surgindo por parte dos amigos e músicos daqui da cidade que encontrei, foi me dando forças. Duma forma muito espontânea, a coisa foi evoluindo e culminou com a criação do projeto Baboza Afromusic, onde reuniu vários músicos de Beja.
Então, fomos tocando, foram aparecendo convites e a coisa foi virando cada vez mais a sério. Em 2008 ganhei o Prémio Composição Orlando Pantera, promovido pelo Ministério da Cultura de Cabo Verde… E eu não estava à espera, fiz o envio de uma música naquela de dar a conhecer o meu trabalho; fiquei surpreso pelo prémio e deu-me uma grande força. A partir daí, eu disse: “Epá, Silvano, tens que levar as coisas de uma forma mais profissional”, também pelo peso da responsabilidade e desse prémio, não é? Depois, era evidente como as pessoas daqui se interagem nos nossos concertos e dando forças, gostam mesmo, aqui em Beja a malta sempre deu força aos concertos. Então, as coisas foram evoluindo!
Existe alguma ponte de ligação entre os Baboza Afromusic e o projeto que atualmente desenvolves a solo enquanto Silvano Sanches?
Sim, claramente. Baboza Afromusic surgiu por volta de 2004, mais ou menos; fizemos vários concertos, aqui no Alentejo, noutras zonas do país, e sempre tivemos um bom feedback por parte do público. Em 2011, emigrei para a Suíça, vivi lá seis anos e tal, quase sete, e o projeto Baboza também me acompanhou, com músicos que encontrei lá, e também tivemos bons momentos, participámos em vários concertos e festivais; também tivemos um percurso engraçado.
Desde 2015, 2016, comecei já a trabalhar a solo, como Silvano Sanches, onde participei em projetos com outros músicos, como o caso do Samba Diabaté, que é um dos embaixadores dos ritmos do Mali e da música Mandinga em Bamako. Para mim foi muito bom poder trabalhar com ele; fizemos um concerto aqui em Beja, no Festival Beja na Rua, estivemos também em Cabo Verde, no Atlantic Music Expo, onde fizemos também a abertura do Kriol Jazz Festival em 2017.
Portanto, todo esse percurso tem um impacto no artista que é hoje Silvano Sanches e no trabalho que se reflete, porque este álbum é um retrato de todo esse percurso e também está intimamente ligado em termos musicais, de letras e de conteúdo, tem algo a ver com o que está dentro de mim e o que vivenciei em termos de cultura cabo-verdeana, da identidade e de ritmos tradicionais cabo-verdeanos; tudo isso faz essa salada, esse sumo que é hoje representado nesse álbum que se intitula Kontributu.
A música que te influencia encontra-se essencialmente associada às tuas raízes cabo-verdeanas e à música maliana que referiste anteriormente, ou poderemos encontrar referências notórias de outras linguagens musicais no teu trabalho?
Em termos de influência, sim, claramente. Eu normalmente parto sempre do que está em mim, há muita coisa… Eu sou cabo-verdeano, então, naturalmente, os ritmos tradicionais cabo-verdeanos, Batuku, Finason, Mornas, Coladeiras, Kola-sanjon, todos esses ritmos estão presentes em mim enquanto cabo-verdeano; e também os ritmos de África Continental, como o caso do Mali, do Senegal e de outros países, são ritmos que também estão em mim enquanto africano. Depois faço fusão com estilos mais contemporâneos, mas sempre tentando manter aquela identidade de música tradicional cabo-verdeana. Sim, vou buscar influência de estilos mais contemporâneos, os ritmos do Brasil, como a bossa nova, entre outros, o rap, o hip-hop, o reggae, porque são vários os artistas que aprecio, portanto… sim, há claramente uma certa fusão no trabalho que eu faço.
Kontributu foi concebido através das Residências Artísticas Musibéria, em Serpa, entre 2019 e 2020. Como decorreu o processo de desenvolvimento para tal?
Foi muito engraçado: O César Silveira (Diretor do Musibéria) lançou-me esse desafio, fez o convite, e foi num momento muito oportuno, onde me deram apoio em todo o processo de gravação, mistura e realização do álbum - Aproveito para agradecer à Câmara Municipal de Serpa, a toda a equipa do Musibéria e à sua editora Marisco Sonoro, que editou o álbum. Então, aceitei logo, e reunimos os músicos que participaram no álbum: O João Nunes (guitarrista), com quem fiz a direção musical do disco, o Pedro Rijo nos sopros, o Gabriel Costa no baixo e o Mário Lopes na bateria, que harmonizaram os seus talentos neste trabalho. E, realmente, estávamos de tal maneira harmonizados que em cinco dias, em termos de captação, gravámos os dez temas. Fiquei muito contente com o trabalho de harmonização que foi criado em torno das composições, portanto foi uma oportunidade muito boa… Sim, estou muito contente, e sou muito grato. Musicalmente, também estou muito contente com o trabalho em si.
A apresentação deste disco conta já com duas atuações no Festival Musibéria – Encontro de Culturas (Serpa) e no Logradouro do Centro Unesco (Beja), respetivamente. Como sentes que tem sido o feedback perante o repertório apresentado até à data?
O feedback foi muito bom em Serpa e em Beja também. Foram dois bons concertos, com uma boa interação e ligação por parte do público, o qual me deixaram bastante satisfeito, e depois o facto de estar já algum tempo longe do palco, condicionado por essa pandemia que todos estamos a atravessar… Os concertos foram todos cancelados, então, depois de quase dois anos longe do palco, foi muito bom.
Que novidades é que este projeto reserva para um futuro próximo?
A novidade, neste momento, é esta que nós temos, é o álbum. É o meu primeiro álbum, está fresquinho, portanto agora é trabalhar, dar continuação à parte promocional do álbum, fazer com que seja conhecido e ouvido, porque as novidades estão no conteúdo do álbum… Muitas das composições são novas, não são conhecidas, há por exemplo, ritmos do Funaná, entre outros, Batuku, Morna, algumas influências de estilos mais contemporâneos… Portanto, a novidade está aí. Saiu também um videoclip promocional do álbum, com o tema Kontributu, que é uma Morna que deu o título ao álbum, então a novidade neste momento é esta, que estamos a dar seguimento no trabalho promocional. De futuro, tudo está em aberto! Neste momento, o objetivo é fazer concertos, estar em palco, onde precisamos de estar.