“Ontem e Hoje”: República, a esperança que virou desilusão
O historiador Constantino Piçarra, que a partir da próxima semana passa a assinar semanalmente no “O Atual” a rubrica “Ontem e hoje”, antecipa a sua estreia, neste dia 5 de Outubro, com o relato de como as gentes do distrito de Beja acolheram a República.
A partir da próxima semana, inserido no conjunto de alterações que iremos implementar no “O Atual”, quer a nível gráfico do nosso site, quer com a introdução de novos conteúdos e colaboradores, o historiador Constantino Piçarra, assinará semanalmente uma rubrica com o título “Ontem e Hoje” evocando uma data, um acontecimento ou uma personalidade com preponderância na região.
Hoje, 5 de outubro, dia em que se celebra a implantação da República em 1910, acontecimento com profundo significado histórico para o nosso país, e que contou desde as primeiras horas desse dia com uma forte adesão das gentes do distrito de Beja, O Atual, antecipa a estreia da rubrica “Ontem e Hoje”, precisamente com o relato desses acontecimentos compilados pelo historiador Constantino Piçarra.
REPÚBLICA, A ESPERANÇA QUE VIROU DESILUSÃO
Há precisamente 112 anos, sabedores das movimentações que estão a ocorrer em Lisboa, por todo o dia 5 de outubro de 1910 chegam à cidade de Beja, os principais líderes do Partido Republicano. Uma comunicação telegráfica particular notícia a boa nova: A República é vitoriosa. A casa de Bragança tinha caído, por fim. A novidade espalha-se e o povo da cidade aflui em massa à praça D. Manuel I. Já noite, Augusto Barreto, médico municipal em Cuba, e Francisco Pereira Coelho, advogado, falam à multidão nesta praça, que dentro de pouco tempo se chamará praça da República, e exibem o telegrama em que o ministro do Interior do Governo Provisório republicano, António José de Almeida, nomeia António Aresta Branco governador civil do distrito de Beja.
Em alegria esfusiante, o povo, dando vivas à República e cantando a "Portuguesa" e a "Marselhesa", percorre em manifestação as ruas da capital do Baixo Alentejo. O destino é a estação de caminho-ferro, praticamente fora da cidade, onde aguardam a chegada do governador civil republicano, que é recebido de forma entusiástica. Com Aresta Branco na cabeça da manifestação esta sobe o caminho que a conduz às portas de Mértola, onde o representante do Governo republicano fala aos manifestantes da janela da casa de Francisco Pereira Coelho, membro da Comissão Distrital do Partido Republicano.
No dia seguinte, 6 de outubro, a República é solene e oficialmente proclamada na Câmara Municipal, com a adesão logo ali ao novo regime do Regimento de Infantaria 17, sediado na cidade, e da vereação municipal monárquica. Poucas horas depois, no edifício da Casa Pia, é a tomada posse do novo governador civil.
Nos dias que se seguem Aresta Branco nomeia administradores para o 14 concelhos do distrito e substitui a vereação da Câmara de Beja por outra presidida por Manuel Laranja Gomes Palma, cargo que exerce até janeiro de 1914. A tomada de posse da vereação republicana ocorre a 10 de outubro e, nesse mesmo dia, muda parte da toponímia da cidade. Uns dias mais tarde, por proposta do vereador Pedro Sequeira Feio, dia 1 de maio, dia do trabalhador, passa a ser feriado municipal.
Triunfante graças ao apoio do operariado dos centros urbanos, a República cria enormes expectativas junto do povo. No entanto, o novo regime altera muito do acessório e pouco do essencial. Substitui o real pelo escudo, o feriado do dia de Natal pelo feriado do dia da família, o bolo rei pelo bolo nacional. Muda a bandeira, o hino e os nomes das ruas, mas é incapaz de fazer as reformas necessárias na indústria, na banca e nos campos com a realização de uma reforma agrária.
É certo que o Governo Provisório aboliu os direitos da nobreza, repôs a ordem liberal, anulada pela ditadura de João Franco, avançou com a reforma do ensino e reorganizou a universidade, estabeleceu o casamento civil e instituiu o divórcio, mas não respondeu às reivindicações do movimento operário que a tinham ajudado a triunfar. Assim um surto de lutas sociais surge logo em 1910 não parando de crescer até 1913.
Perdida a base social do movimento operário e popular a República vai paulatinamente entregando-se nos braços das forças conservadoras que a liquidam, primeiro a 28 de maio de 1926, com a instauração da ditadura, e depois com o advento do salazarismo, o fascismo à portuguesa.
Constantino Piçarra
Foto de: Aresta Branco