Preço pago aos agricultores longe de ser justo e abandono vai ser tendência
O preço pago aos agricultores portugueses está longe de ser justo, defendeu a CNA, notando que este é um dos fatores que leva ao abandono da profissão, tendência que deverá agravar-se também em virtude das opções políticas.
“O preço que é pago aos produtores está muito longe de ser um preço justo […]. Vemos que há grandes diferenças entre o preço pago ao produtor e o preço pago pelos consumidores”, afirmou o dirigente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) Pedro Santos, em declarações à Lusa.
Esta situação, conforme exemplificou, é, sobretudo, visível nos produtos frescos, uma vez que a estes não acresce o custo dos processos de transformação.
No caso dos produtos hortícolas, a granel, a diferença de preços pode variar entre os 200% e 300%, o que, para a CNA, revela que o mercado “não está a funcionar bem”.
Pedro Santos referiu que este é um dos fatores que contribuiu para a perda de riqueza no setor, mas também para a diminuição do número de trabalhadores e explorações.
A isto soma-se a mecanização e a evolução dos processos produtivos, que têm um “impacto direto” no número de pessoas necessário.
“Não podemos deixar de ter em conta que o que se está a passar agora é que, pelo facto de termos um baixo preço à produção e perda de rendimento, já não é só a diminuição de assalariados, mas dos agricultores, sobretudo, os da agricultura familiar”, sublinhou.
A curto e médio prazos, esta é uma tendência que se deverá agravar e que também é impulsionada pelo aumento dos custos com os fatores de produção.
Para os agricultores, os responsáveis por esta situação, que se prolonga há 30 anos, são os vários governos e, particularmente, os titulares da pasta Agricultura.
“Andamos há quatro meses, primeiro com a seca, agora com a guerra, a ouvir anúncios da senhora ministra da agricultura [Maria do Céu Antunes], que não passam de anúncios. Os agricultores precisam de saber quando é que vão ter algum apoio”, lamentou.
De acordo com a CNA, a solução passa, desde logo, pela concretização do Estatuto da Agricultura Familiar e pela proibição de venda abaixo do custo de produção, que é ilegal, mas “tarda a ser regulamentada”, uma vez que são colocados entraves por “quem está a ganhar dinheiro com essa situação, que não são os agricultores”.
Por outro lado, é necessário apostar nas cadeias curtas, na soberania alimentar e dar condições para que os pequenos e médios agricultores tenham condições para continuar a produzir, bem como uma atribuição “muito mais justa” das ajudas.
No que se refere à compra de produtos nacionais para as cantinas públicas, uma das reivindicações dos agricultores, a confederação disse que existem algumas experiências por parte das câmaras municipais, embora não se verifique uma “aposta concreta” por parte do Governo.
Os agricultores, através do projeto reLOCALiza, lançaram o objetivo de atingir 30% dos produtos consumidos nas cantinas provenientes da agricultura local e familiar.
“Já levámos ao senhor Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] esse desígnio e aquilo que temos por parte do Governo é pouca ou nenhuma vontade de aplicá-lo. Existem recomendações e discursos no sentido de que temos razão, mas não passam de boas intenções”, concluiu.
A Lusa contactou o Ministério da Educação para saber se os refeitórios escolares dispõem de algum programa ou recomendação para a compra de produtos nacionais, mas não obteve resposta.
A riqueza criada pela agricultura ascendeu a 3.500 milhões de euros em 2021, valor que está em queda desde os anos 80, década em que gerava mais do dobro da riqueza atual, segundo dados compilados pela Pordata.
Em 2020, 1,3% da riqueza gerada pela União Europeia (UE) veio da agricultura, destacando-se a Roménia e a Grécia (3,8% do Produto Interno Bruto). Em Portugal, o peso era de 1,6% do PIB, importância que tem vindo a descer desde 1995, altura em que situava nos 3,7%.
Por região, a agricultura tem maior relevância económica no Alentejo e nos Açores, representando 8,8% e 6,8% do PIB, respetivamente. No sentido oposto, a Área Metropolitana de Lisboa (AML) apresenta o menor peso (0,3% do PIB).
Os dados compilados pela Pordata concluem ainda que a agricultura tem cada vez menos trabalhadores: em 1989, Portugal tinha 1,5 milhões de agricultores, o equivalente a 16% da população residente, e, três décadas depois, tinha 650.000.
A mão de obra agrícola é constituída por 364.866 homens e 283.386 mulheres, sobretudo, com idades acima dos 55 anos e com o ensino básico, conforme revelam os últimos dados disponíveis, reportados a 2019.
A remuneração média mensal dos trabalhadores por conta de outrem fixou-se em 1.042 euros em 2020, enquanto na agricultura e pesca foi de 823,1 euros.
O número de explorações agrícolas em Portugal caiu para metade nos últimos 30 anos, situando-se nos 300.000 em 2019.