Seca: Empresas de distribuição de água defendem medidas urgentes para diminuir perdas
O presidente da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) defendeu a implementação urgente de medidas estruturais de fundo para diminuir as perdas de água, considerando que a seca em Portugal era um cenário anunciado.
O presidente da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) defendeu a implementação urgente de medidas estruturais de fundo para diminuir as perdas de água, considerando que a seca em Portugal era um cenário anunciado.
Em declarações à agência Lusa a propósito da situação de seca que o país está a viver, o presidente do Conselho Diretivo da APDA, Rui Godinho, diz que o tema da água não teve o devido tratamento e importância para ser colocado no topo da agenda política.
Mais de 95% do território continental está em seca severa ou extrema, segundo um despacho do Governo publicado na quinta-feira em Diário da República. De acordo com esse diploma, verificou-se, em fevereiro, um agravamento da intensidade de seca em relação aos meses anteriores, com cerca de 29,3% do território na classe de seca severa e 66,2% na classe seca extrema. No total, são reconhecidos mais de 260 concelhos em situação de seca severa ou extrema.
“Este tema da água, em Portugal e no mundo, é um dos problemas mais sérios e sensíveis com que nos vamos defrontar nos próximos anos. É absolutamente central essa discussão. As medidas avulsas e/ou pontuais são sempre precárias e despidas de qualquer efeito sustentável dada a criticidade a que chegámos”, sublinhou.
No entendimento de Rui Godinho, houve uma “falência das políticas públicas e falta de continuidade das políticas públicas certas e adequadas para combater a carência e escassez de água”.
“É muito comum em Portugal. Define-se uma estratégia, criam-se instrumentos, essenciais para implementar a estratégia, e quando se deve passar à prática por razões mais diversas (…) interrompem-se e os trabalhos que vêm de trás já não interessam. Vêm outros que têm poder político e institucional e dão prioridade a outras coisas”, disse.
Segundo Rui Godinho, “tem de se atacar” o problema com medidas específicas consoante a região do país e na aplicação de um programa nacional de uso eficiente de água, com um programa estratégico que responsabilize todos, incluindo consumidores urbanos, agrícolas e industriais.
O presidente da APDA lembra que os cenários anunciados sobre os efeitos das alterações climáticas na área do sul da Europa evidenciam que Portugal é um dos países mais afetados.
“Não temos desculpa para dizer que não sabíamos. (…) Nós desenvolvemos em Portugal entre 2005 e 2010 um Programa Nacional de Uso Eficiente da Água envolvendo três setores: consumidores urbanos, agrícolas e industriais. Em 2012, foi aprovado um plano de implementação desse programa e criada uma comissão de implementação, mas nunca foi implementado”, disse.
Para Rui Godinho, esta é uma situação “absolutamente lamentável” porque naquele programa estão elencadas todas as medidas que cada um dos setores deve pôr em prática.
Ainda no que diz respeito aos consumos urbanos e perdas de água, Rui Godinho destacou a existência de uma percentagem largamente maioritária de entidades gestoras com menos de 10 mil clientes.
“Uma entidade gestora com 10 mil clientes não é sustentável e, por isso, esta situação tem que ser corrigida através de medidas de agregação de pequenas entidades noutras de maior dimensão, de forma a serem geridas de forma sustentável”, disse.
Para a APDA, uma unidade gestora para poder ter políticas sustentáveis também no combate às perdas deverá ter pelo menos 70 a 80 mil clientes, precisando para isso de agregação.
“Agregar implica vontade política dos municípios, porque isto são entidades municipais, em se entenderem para construírem sistemas intermunicipais que tenham esta dimensão e possam ser geridos”, disse.
Ainda no que diz respeito às perdas de água, Rui Godinho disse também que devem ser aplicadas rapidamente outras fontes, designadamente para os chamados fins de segunda linha.
“Não se justifica nas zonas urbanas continuarmos a regar, a lavar ruas com água potável para estes fins. É insustentável e inconcebível”, frisou, lembrando por exemplo a construção na década de 1990, no âmbito do plano de despoluição do Estuário do Tejo, de três ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais).
Rui Godinho lamentou que nada tenha sido feito nestes 20 anos tendo estas infraestruturas disponíveis, o que levaria à poupança de milhões de metros cúbicos de água potável.
O presidente da APDA alertou igualmente para a necessidade de uma mudança de comportamento dos consumidores, sejam eles urbanos, agrícolas ou industriais, para um uso eficiente da água, uma vez que esta não é um recurso infinito.
Chamou também a atenção para a necessidade de intervenção significativa ou eventual substituição de infraestruturas para evitar perdas de água, o que implica muito investimento.
“O PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] não previu investimentos nesta área, infelizmente. O PRR relativamente ao ciclo urbano na água previu uma intervenção no Algarve, na Madeira e a construção da barragem do Crato”, referiu.
Rui Godinho disse ainda que em 2021 a APDA chamou a atenção do Governo para a necessidade de um plano de investimento apoiado por fundos europeus para uma promoção de estratégia de ativos que tivesse pelo menos aplicados meio milhão de euros.
“Resumindo, são necessárias medidas estruturais de fundo relativamente à garantia do abastecimento de água, das disponibilidades e isso garante-se através do armazenamento nas albufeiras, no combate ao desperdício e exploração dos aquíferos e intervir na gestão até 2030”, disse.
No que diz respeito às campanhas de sensibilização, Rui Godinho diz que só funcionam se forem feitas de forma permanente e dirigidas a todos os setores da população, a começar nas escolas.
A APDA está representada no Conselho Mundial da Água (World Water Council), sendo Rui Godinho membro do Board of Governors e do Bureau desta entidade.
Entre os dias 21 e 26 vai realizar-se o Fórum da Água em Dacar, no Senegal.