Terras sem Sombra: Ensemble Bonne Corde celebra o apogeu do Barroco em Castelo de Vide
O Convento de São Francisco, em Castelo de Vide, acolhe um concerto único pelo Ensemble Bonne Corde, que apresenta obras do compositor belga Joseph-Hector Fiocco. Uma visita ao Baluarte da Memória, a redescoberta do notável legado do Arquiteto Nuno Teotónio Pereira em Castelo de Vide e a visita à Barragem de Póvoa e Meadas completam a programação do Terras sem Sombra em Castelo de Vide.
O terceiro fim-de-semana da temporada do Festival Terras sem Sombra, com a Bélgica como país convidado e em parceria com o Município de Castelo de Vide, oferece um conjunto de atividades neste concelho norte-alentejano que visa o resgate das memórias, sem perder de vista o futuro.
O grande destaque em Castelo de Vide é o concerto pelo Ensemble Bonne Corde, que interpreta, na igreja do Convento de S. Francisco (28 de Maio, 21h30) um programa intitulado “Rompendo As Trevas: Lamentações da Semana Santa, de Joseph-Hector Fiocco”. Entre as obras apresentadas, assinala-se Lettione prima di Giovedì Santo, em estreia moderna neste concerto, o que o torna um momento único. Do programa fazem ainda parte peças de outros compositores barrocos, como Dall’Abacco e Lanzetti. O conjunto completo de Lamentações para a Semana Santa, para voz solista, com o acompanhamento pouco usual de violoncelos obbligati, é uma das obras mais relevantes do compositor, organista e cravista flamengo Fiocco (1703-1741), que começa agora a ser redescoberto e a receber a atenção que o seu trabalho merece.
Bonne Corde é um agrupamento de música antiga dedicado à interpretação historicamente informada com instrumentos originais, tendo como repertório-alvo a literatura para violoncelo solo do séc. XVIII, tanto de câmara como concertante, não esquecendo ainda o importante papel do violoncelo como instrumento de baixo contínuo. A formação apresenta-se em Castelo de Vide com Ana Quintans (soprano), Diana Vinagre (violoncelo barroco e direcção artística), Rebecca Rosen (violoncelo barroco) e Miguel Jalôto (órgão).
O nome do grupo provém do tratado de Marin Mersenne de 1636, Harmonie Universelle, e pretende ser uma alusão às cordas de tripa utilizadas nos instrumentos de corda até ao início do século XX, quando foram substituídas pelas de aço.
Fundado pela violoncelista Diana Vinagre, Bonne Corde continua um trabalho de conjunto iniciado por jovens músicos de várias partes do mundo que se foram cruzando nos seus percursos formativos e profissionais, em locais tão prestigiados como o Real Conservatório de Haia (Países Baixos) ou a Orquestra Barroca da União Europeia. Todos os membros do grupo colaboram regularmente com os mais importantes agrupamentos de música antiga da Europa.
Memórias inscritas nos lugares
A anteceder o grande concerto do fim-de-semana, têm lugar duas atividades cujo foco principal é o património, tangível e intangível. Pelas 11h de sábado (28 de Maio), numa iniciativa especialmente dedicada aos mais novos, o ponto de encontro é no Baluarte da Memória. Localizado no Curral de Santiago e enquadrado na paisagem envolvente da Serra, este espaço histórico entre muralhas foi recentemente requalificado e transformado em “varanda pública”. Aqui, guiados pelo escultor António Mira, os participantes são convidados a desvendar os segredos que os “cubos mágicos” que povoam o espaço encerram, das impermanências da matéria à persistência da memória.
À tarde, pelas 15h, nos Paços do Concelho, tendo como ponto de partida a exposição “Nuno Teotónio Pereira: Influência no Urbanismo em Castelo de Vide”, percorrem-se as cartografias e visão daquele notável arquiteto, guiados pelo também arquiteto Luís Pedro Cruz.
No ano em que passam 100 anos sobre o seu nascimento, o Festival propõe um olhar aprofundado sobre o legado do arquiteto Teotónio Pereira em Castelo de Vide. Figura destacada do urbanismo e da habitação em Portugal, esteve muito ligado, pessoal e profissionalmente, ao território e comunidade deste concelho, onde desenvolveu um trabalho singular e uma inestimável ação técnica de apoio aos Executivos Municipais da década de 80, considerada fundamental para o pensamento do desenvolvimento do concelho. Destacam-se, na sua intervenção neste território, os Planos Gerais de Urbanização de Castelo de Vide (1980-1982) e de Póvoa e Meadas (1985) e o Plano Diretor Municipal (1992-1995). Teotónio Pereira foi capaz de planear no sítio e para o sítio, envolvendo todos, o que lhe permitiu captar a sensibilidade do lugar e elevar o orgulho e a autoestima locais.
Para concluir um fim-de-semana sob o signo da memória, o Festival Terras sem Sombra programou uma incursão ao reino das aves, na barragem de Póvoa e Meadas (29 de Maio, 9h30). Localizada a cerca de 10 km a noroeste de Castelo de Vide, a albufeira, para além da beleza cénica, é um ponto privilegiado, sobretudo de Março a Junho, para observação da avifauna aquática e terrestre. Por aqui avistam-se, entre muitos outros, o mergulhão-de-crista (Podiceps cristatus), o corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo), o pato-real (Anas platyrhynchos) ou a garça-real (Ardea cinerea). Nesta acção – guiados pelo ornitólogo Gonçalo Elias e pelo fotógrafo da natureza Dinis Cortes – relembra-se que as aves selvagens são um importante barómetro da saúde ambiental. Como assinalou um apaixonado pelas aves, o escritor Jonathan Franzen, estas “são os representantes mais vívidos e amplamente distribuídos do nosso planeta tal como este era antes da chegada dos seres humanos. A singularidade radical das aves constitui parte integrante da sua beleza e valor”.
Próximos destinos
O próximo destino Terras sem Sombra é Santiago do Cacém (11 e 12 de Junho), onde se apresenta, no Auditório Municipal António Chainho, o agrupamento eslovaco Aurum Quartet, de Bratislava. Fazem ainda parte do programa uma atividade dedicada aos lugares do escritor Manuel da Fonseca, natural de Santiago, e uma ação em prol da biodiversidade, que tem a floresta de zimbral endémico do Sudoeste como tema principal.
Os eventos, aos fins-de-semana e de acesso livre, incluem concertos de música erudita com agrupamentos oriundos das mais diversas geografias, visitas ao património cultural do território e ações de salvaguarda da biodiversidade, envolvendo a população e agentes locais. A qualidade da programação tem contribuído para colocar o Alentejo na agenda cultural europeia e fomentado o conhecimento e a memória do território.
Nesta edição, a temporada estende-se até Outubro de 2022 e tem ainda passagem marcada pelos concelhos alentejanos de Beja (18 e 19 de Junho), Alter do Chão (2 e 3 de Julho), Mértola (16 e 17 de Julho), Arraiolos (22 de Julho), Mourão (30 e 31 de Julho), Odemira (3 e 4 de Setembro), Montemor-o-Novo (18 e 19 de Setembro) e Sines (22 e 23 de Outubro).