Habitação e eleições autárquicas

Vive-se por todo o país a agitação própria do período pré leitoral para as autarquias locais. Depois de definidas as listas, divulgam-se junto das populações as principais propostas de intervenção para o próximo mandato.

Sendo os concelhos e freguesias muito heterógenos na sua dimensão geográfica e populacional, é normal que aquilo que seja prioridade num qualquer concelho da raia, não faça tanto sentido nos territórios de maior concentração urbana. Há, no entanto, matérias que pela sua dimensão estrutural na vida das pessoas, deveriam merecer particular cuidado de todas as forças concorrentes, de norte a sul, do mar à fronteira com Espanha. De entre elas destacaria a habitação. Não só por aquilo que representa na organização da vida dos indivíduos e famílias, mas também, e por razões que agora não me irei debruçar, porque este domínio tem andado arredado da agenda dos municípios nos últimos vinte anos.

Admito que pontualmente uma ou outra autarquia tenha nos últimos mandatos criado programas para apoios a pequenas reparações habitacionais junto de grupos desfavorecidos, ou criado um ou outro loteamento. De qualquer modo, intervenções de fundo neste domínio, procurando criar alternativas viáveis à desregulação total que se verificou no mercado de compra de habitações e sobretudo de arrendamento, têm sido escassas, e quando acontecem são apenas para preencher a agenda mediática, fazendo passar a ideia de que se está a tentar intervir no assunto. Exemplo disso, é um recente programa da Câmara de Lisboa, e em torno do qual as televisões generalistas passaram horas e horas de propaganda com entrevistas a Fernando Medina, ao qual concorreram milhares de casais jovens, com a “pequena” nuance do município da capital ter, e por agora, apenas 6 (seis) casas para entregar.

Mesmo no interior, os municípios abandonaram a construção de casas para habitação social ou a custos controlados. Até poderíamos ser levados a pensar que de um momento para o outro os portugueses ficaram todos ricos e não precisam da ajuda do estado, nacional e local, nesta matéria. Claro que não é assim. Nas cidades, mas também nas vilas e até aldeias, os casais jovens não conseguem ter casa própria. A maioria opta por não iniciar relações conjugais. E assim nascem menos crianças. E a população envelhece e diminui em termos absolutos. Os que se aventuram a adquirir ou alugar uma casa, são vítimas de um mercado completamente desregulado que lhe leva quase metade dos rendimentos líquidos, e nalguns casos mais.

Um estudo de abril último, indicava que essa mesma taxa de esforço com a habitação das famílias portuguesas, era, em Setúbal, de 40,6% ; Faro – 38,8%; Évora – 37,8% e em Lisboa de 35,8%. Curiosamente a mesmíssima taxa de esforço, era por essa altura em Barcelona, de 37,2%, e em Roma, de 30,2%. Com a particularidade do salário minino em Espanha se cifrar atualmente nos 950 euros, e em Itália, (país onde o salário minino é definido em montantes diferentes de acordo com as áreas de atividade), rondar os 1.100, 1.200 euros.

Para além das repercussões económicas na vida das famílias e até demográficas, a questão da habitação é nuclear na organização das sociedades. Estudos diversos demonstram a relação estreita entre um vasto conjunto de problemas sociais, como a violência doméstica, incesto ou impossibilidade de apoio aos deficientes e idosos, por força da insuficiente condição habitacional que caracteriza muitas famílias portuguesas.

Cabe ao estado central uma resposta. Mas os autarcas não podem, como nos últimos anos têm feito, assobiar para o lado.

Miguel Bento

Mértola, agosto de 2021

 

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