Poder local e Direitos Sociais

Em 26 de setembro os portugueses irão escolher quem os governará nos municípios e nas freguesias. No caso dos municípios, os novos eleitos irão defrontar-se a partir de abril de 2022, com um novo leque de responsabilidades no campo da educação, da proteção social e da saúde.

O Governo chama-lhe descentralização. Há também quem lhe chame “presente envenenado”, na medida em que as matérias em apreço, são das mais sensíveis do ponto de vista da reivindicação popular.

Alguns autarcas, em particular nos concelhos despovoados do interior, uns bem-intencionados e outros motivados pela gula em conseguir controlar mais uns postos de trabalho, (e sobretudo mais uns quantos votos), anteciparam esse assumir de competências, total ou parcialmente.

Tenho, desde a primeira hora, sérias reservas a essas mudanças pelas seguintes razões.

- No modelo de Estado (e de sociedade) que defendo, os Direitos Humanos (DH) ocupam um lugar cimeiro. Mas os DH não passam de uma expressão vazia de sentido, se não existirem DIREITOS SOCIAIS, que levem os DH a concretizar-se. Para além disso os indispensáveis Direitos Sociais, devem ser de acesso generalizado e aplicação transversal, em particular nos quatro pilares fundamentais das sociedades desenvolvidas: saúde, educação, habitação e segurança social.

Observe-se, a título meramente ilustrativo, o que já acontece com as Bolsas de Estudo das autarquias para o ensino superior. Umas autarquias têm, outras não. Umas têm um determinado montante, outras outro. Outras determinados critérios de acesso, outras atribuem a todos os alunos. E este é apenas um exemplo.

- A segunda razão, prende-se com facto desde modelo de operacionalização das políticas socais, ter sido aplicado em muitos países da Europa. Na Bélgica e nos Países Baixos, por exemplo. Os resultados foram desastrosos, levando a que os respetivos governos estejam a retroceder nesta arquitetura administrativa. Na Bélgica algumas medidas a nível da segurança social, deixaram de ser assumidas pelos municípios e passaram novamente para os Governos Regionais. Nos Países Baixos, um conjunto significativo de competências dos municípios a nível da educação, foram reassumidas pelo Governo central daquele país.

Acontece, pois, que Portugal vai implementar um modelo de aplicação das suas políticas sociais, que fracassou em muitas das suas dimensões por essa Europa fora.

- A terceira e mais importante razão onde assentam as minhas reservas, tem a ver, e sobretudo nos pequenos municípios do interior e que em Portugal são a esmagadora maioria, com o acentuar do caciquismo, (com todas as letras), que este novo quadro legal vai proporcionar. Sim, porque infelizmente, muitos dos autarcas eleitos ou reeleitos em 26 de setembro, não vão resistir à tentação de usar esses novos poderes numa lógica de pouca ou nenhuma dignidade política para com os seus concidadãos.

Reputados especialistas nestas matérias há muito que anteciparam este perigo. Robert Castel em França, Mejed Hamzaoui na Bélgica ou Boaventura Sousa Santos em Portugal, são apenas alguns deles. Deixo apenas o registo de Robert Castel (1933 – 2013) sobre esta questão, quando em 2012 alertava, e relativamente ao Trabalho Social na sua estreita relação com as políticas sociais, para o seguinte “O trabalho social moderno, dissemo-lo no começo, passou de uma tradição de assistência filantrópica e religiosa afirmando-se como portador de uma obrigação de assunção de responsabilidade pelas pessoas em défice de integração. É neste sentido que o seu destino esteve ligado ao do Estado providência. Ele era protagonista do seu papel emancipador e protetor. Ele correria o risco de regressar a formas de neofilantropia ou de neopartenalismo se ele fosse deixado à discrição das configurações locais exprimindo relações de  força  locais,  políticas,  institucionais  ou  económicas.”

Também por tudo isto, há que escolher com redobrado critério, os novos, ou velhos (por vezes demasiado velhos nas lógicas de exercício do poder local), eleitos locais.

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