A CLARIDADE QUE INCOMODA
1 1. Escolhi três notícias muito faladas, da última semana:
a) Otelo: Marcelo lembra que não houve luto
nacional por outras “figuras cimeiras” do 25 de Abril (https://www.publico.pt/2021/07/27/politica/noticia/otelo-marcelo-lembra-nao-luto-nacional-figuras-cimeiras-25-abril-1972056)
– Portugal tem uma enorme dívida de gratidão para com Otelo e para com todos os
Militares de Abril que derrubaram o regime autoritário em que o país viveu
durante 48 anos. Foi Otelo “quem liderou a preparação operacional do 25 de
Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar
bem-sucedida”, refere em comunicado o General Ramalho Eanes e, por isso,
cabe-lhe um "lugar de proeminência histórica". É um facto que Otelo
teve as suas ambivalências, de todos conhecidas. Por isso, as posições das
pessoas extremaram-se, entre o “sim” e o “não” ao luto nacional. Contudo, não
me parece ser essa questão simbólica o mais importante. Até porque foi dado
cumprimento a um critério – discutível, é certo, mas é aquele que esteve e que
está em cima da mesa. Como é que, então, o país se deve relacionar com estas
personalidades? Por exemplo, o reconhecimento do direito à pensão “por serviços
excepcionais e relevantes prestados ao país” ou a outra compensação financeira
pode ser importante, ao nível simbólico, e efectivamente, necessário;
b)
Desistiu em nome da saúde mental. A
medalha da vida de Simone Biles (https://www.dn.pt/desporto/desistiu-em-nome-da-saude-mental-a-medalha-da-vida-de-simone-biles-13980587.html)
– A saúde mental é, de facto, um desafio para todos. Contudo, nem todos têm a
visibilidade desta atleta de alta competição, que decidiu desistir e falar
publicamente dos seus “demónios”, das suas vulnerabilidades, e ainda recolher a
condescendência de muitos. Qualquer indivíduo que se assuma como profissional
num qualquer ofício tem de lidar com a comparação. Se optar pela competição,
surge a pressão. Mas, querer ser muito bom, ou o melhor, não significa
trabalhar até à exaustão. As pessoas não são máquinas. Se bem que quando se
chega a determinados “campeonatos” saber gerir a pressão é – diria - quase tão
importante quanto a competência. Acho que a atitude de Simone Biles é um
exemplo de maturidade. Como se dizia num slogan publicitário: “Se eu não gostar
de mim, quem gostará?”
c)
André Ventura avança em Moura. "A
bandalheira vai acabar" (https://ionline.sapo.pt/artigo/737950/andre-ventura-avanca-em-moura-a-bandalheira-vai-acabar?seccao=Portugal_i)
- Não é novidade nenhuma dizer que o partido em causa é um exemplo do populismo
em Portugal. Porquê? Actuais condições políticas, sem dúvida (não exclusivas do
nosso país): i) a personalização do poder político; ii) o papel que os órgãos
de comunicação social assumem nas sociedades contemporâneas; iii) last but
not least – falhas dos partidos políticos enquanto estruturas de
intermediação do poder. Mas o que especialmente leva ao aparecimento deste tipo
de discurso é o sentimento generalizado de que a sociedade está em declínio e
que a corrupção e o descrédito estão em tudo e em todos. O populismo surge como
a tal política, dita de esperança, que pode resolver o que a política, dita
tradicional, já não consegue. Talvez fosse importante rapidamente “revisitar”,
“reinventar” – estas palavras também estão agora em moda – a política
“tradicional”.
2. Escolhi – não propriamente “em jeito de conclusão”, mas chame-se-lhe o que quer que seja, é aquilo que me vem agora à cabeça – aludir resumidamente ao seguinte: “Como é que um tipo que é medíocre há-de saber que é medíocre, se ele é medíocre?” perguntou V. Ferreira. Não sabe. Pelo contrário, caso se atenda ao efeito Dunning-Kruger, também conhecido pela “sabedoria dos idiotas”, os ignorantes tendem a desenvolver uma ilusão de superioridade: apesar de saberem muito pouco, acreditam que sabem muito – ou que sabem tudo - desenvolvendo um excesso de confiança nas suas competências, achando-se extraordinariamente bem preparados para o desenvolvimento das tarefas, em particular daquelas às quais estão habituados. Convivem diariamente com os erros, de tal forma, que são incapazes de os reconhecer - para eles são habituais e/ou a norma e, se identificados, são sempre desculpáveis por não serem intencionais. Esta ilusão de superioridade não se deve, pois, ao conhecimento, mas sim à ignorância. Então, caso estejamos a falar de uma prática, de uma actividade, de um ofício, o que poderá distinguir o amadorismo do profissionalismo? Será o amador aquele que se dedica a uma determinada prática, pelo gosto, pelo prazer, sem dela retirar qualquer benefício ou pagamento, e o profissional aquele que faz dessa prática o seu modo de vida, dedicando-lhe grande parte do seu tempo, e auferindo proveitos materiais ou financeiros por essa actividade? Será que alguém por fazer a mesma coisa, como modo de ganhar a vida, da mesma forma, há muitos anos e sempre com um desempenho… medíocre, pode ser considerado um profissional? Pode alguém ser profissional em mais do que uma área, apesar de se dedicar a tempo inteiro apenas a uma delas ou de não se dedicar a tempo inteiro a nenhuma delas? Pode alguém dedicar-se a tempo inteiro a uma actividade e ser - ou continuar a ser - um amador? E quem é que tem o “poder” e o crédito para distinguir um amador de um profissional? Faz sentido fazer esta distinção ou nem por isso? Deixo a reflexão para cada um dos leitores que esteja interessado em fazê-la. Poderei voltar a este tema numa outra oportunidade. Ou não. Termino, com uma das maiores bandas de rock alternativo da actualidade, com o tema “Fix you”.
Votos de boas férias, se for o caso. Boas leituras e boa música.
https://www.youtube.com/watch?v=AEp08vVYreg